11 outubro 2006

Interlúdios fugazes

Não há muito tempo, estava eu mentalmente entorpecida no sofá, tomei conhecimento, através dos nossos eruditos meios de comunicação, nomeadamente TVI, uma reportagem sobre um pseudo – arquitecto, que exercia as suas funções há não sei que tempos, e que após alguns desabamentos das vivendas dos seus incautos clientes, lá se deu inicio à suspeita das suas capacidades, a comprovação da sua ilegitimidade para exercer as suas funções, (afinal o doutíssimo cavalheiro, tinha sido caixeiro-viajante, e só teria contacto com as Universidades de Arquitectura através do extraordinário canal de comunicação que é a Calçada.) e finalmente a sua condenação e aprisionamento. E lá estavam os seus antigos clientes abastados, que entre gritos e palavras de ordem – Morra! - Ladrão!

Até ao momento o Exmo. Leitor não compreende a analogia que eu quero estabelecer. Mas como pode vislumbrar os meus intentos?

Eu falo de médicos, engenheiros, advogados que ao exercerem profissões para o qual não adquiriram legitimidade, e que quando são descobertos, são justamente punidos e encarcerados.

Mas pergunto ao Caro Leitor, ao Leitor que não é um profissional da Informação, mas a um utilizador de Bibliotecas e Arquivos.

Numa brevíssima conversa com o bibliotecário ou arquivista que o atende há dez anos, descobre que a D. Joaquina (a bibliotecário ou arquivista que o atende há dez anos) foi transferida do departamento de limpeza, e incorporou o cargo de Técnica. Que faz o leitor? Admira-se? Ignora? Ou lança-se a correr para a esquadra mais próxima a apresentar queixa? Ou vai lanchar? Provavelmente vai lanchar.

Afinal o que os arquivistas fazem é ir buscar e trazer livros…não é?



Pergunto agora aos meus colegas. Quantas leis nos protegem, a nós arquivistas, das D. Joaquinas, do mundo da arquivística?

Quantas leis protegem a carreira de Direito, Medicina, Arquitectura? Talvez devêssemos olhar para a Ordem dos Médicos e compara-la com a APBAD.

Hum! …estão a ver diferenças…algumas…bem, vou vos dar uma ajudinha…uma faz com que Ministros sejam demitidos, a outra dá formação a preços exorbitantes….

Quantos julgamentos assistimos de pseudo Arquivistas, que ali à barra do tribunal são insultados pelos utilizadores? (Mais ainda gostaria de apreender de como se iriam consubstanciar esses insultos…)

- Sua desqualificada
[1]! Só tirei 12 na Tese por tua Culpa!
- Desgraçada
[2]! Com a tua Formação nem as contas da Luz ficam organizadas!
- Ordinária! Nem sabes a diferença entre Tabela de Classificação e a boca do Fogão

Porém alguns poderam estar tentados a dizer…

-Olha! Fazer casas é mais importante que o raio de um livro!

Claro que compreendo perfeitamente as suas preocupações, é importante as casas não nos caírem em cima, mas relembro ao Leitor, que tudo o que faz na sua existência, nascer, ter um nome, ir para a escola, entrar na Universidade, acabar a licenciatura, construir ou comprar uma casa, contrair um empréstimo, casar, ter filhos, pagar impostos, viajar, é emblematicamente consubstanciado numa folha de papel.


A sua vida. Nuns pedaços de papel.


Talvez se devesse preocupar com quem trata deles.






[1] Ser sem competências literárias para efectuar este cargo.
[2] Ser sem uma grama de Graça no seu corpo, pois temos de admitir que para trabalhar em arquivo…é preciso ter – se boa disposição e saber rir.

4 comentários:

Anónimo disse...

Lindo!!! Adorei!

Anónimo disse...

Está fantástico.
Grande objectividade na análise apresentada.

Anónimo disse...

Aprovado!

Anónimo disse...

clap! clap! clap! Aplaudo de pé este texto que tão bem ilustra o "estado da arte". Parabéns óptima análise
Catarina Candido