11 dezembro 2006

Licenças Creative Commons com enquadramento jurídico em Portugal

É uma filosofia de partilha. Uma nova forma de entender os direitos de autor. São soluções adaptadas a um mundo tecnológico em mudança. A partir de hoje as licenças Creative Commons têm enquadramento jurídico em Portugal.

Os românticos dirão que é uma forma de partilhar conhecimento e os pragmáticos que se trata de adaptar as leis de propriedade intelectual, num contexto de mudança, à realidade do mundo tecnológico. É ambas. A partir de hoje as licenças Creative Commons, uma nova forma de entender os direitos de autor, passam a estar adaptadas ao enquadramento jurídico português.

As Creative Commons são licenças flexíveis de propriedade intelectual que permitem a quem recebe uma criação cultural ou tecnológica, copiá-la, distribuí-la ou modificá-la, garantido, no entanto, o reconhecimento da sua autoria. Com estas licenças, os autores definem quais os direitos que querem ceder das suas obras (se podem fazer uso comercial dela ou modificá-la, por exemplo), disponibilizando-as gratuitamente na Rede. O conceito, colocado em prática desde 2002, apesar de ainda ser minoritário, já é hoje opção para milhões de músicos, cientistas, artistas visuais, informáticos, jornalistas ou professores.
A última estimativa de licenças atribuídas, de Junho deste ano, aponta para os 140 milhões. Um dos grandes defensores é o músico e ministro da Cultura brasileiro Gilberto Gil, que tem proclamado que é necessário procurar um equilíbrio entre os direitos de autor e o direito público em aceder à obra. Entre os aderentes a este conceito estão muitos desconhecidos, mas há também gente famosa, principalmente da música, que escolhe estas licenças para distribuir parte do seu trabalho, como os Pearl Jam, Ryuichi Sakamoto, David Byrne ou Beastie Boys. "
As "Creative Commons" facilitam a inovação e a partilha de conhecimento. É esse o seu maior potencial. Permitem a terceiros recriar obras originais, fazendo com que cada vez mais indivíduos participem em processos criativos, com implicações a um nível global", afirma Pedro Oliveira, professor da Universidade Católica, um dos principais dinamizadores do conceito em Portugal. "Para mim é uma questão ideológica, no sentido em que todos os criadores se reapropriam das criações de outros, mas é também uma questão de enquadramento", diz o artista plástico e músico João Paulo Feliciano, que no catálogo da exposição The Possibility Of Everything, em exibição na Culturgest, Lisboa, optou por utilizar uma licença destas. "A exposição está cheia de fragmentos, de coisas das quais me apropriei de outros. Não era eticamente aceitável que depois impedisse a utilização dessas coisas por outras pessoas", exemplifica.
O contexto destas movimentações é um mundo que se confronta com a circulação infinita de informação. Um domínio de cultura livre emergente, onde há partilha e recriação generalizada do conhecimento. Como regular um universo, como o da Rede, por exemplo, com um modelo de funcionamento aberto e horizontal, que permite a comunicação de muitos para muitos? Como enquadrar informação que é partilhada, evitando centros e hierarquias? Enquanto o copyright autoriza a utilização de conteúdos mediante o pagamento de direitos de autor, o princípio que orienta o copyleft (a filosofia herdada dos pais da informática, que tinham como objectivo a livre circulação de conhecimento e que inspirou as licenças Creative Commons), baseia-se na livre utilização da obra original, com regras.
Controlar a circulação
Mas segundo Pedro Oliveira os Creative Commons não pretendem substituir-se aos direitos de autor. "Apenas flexibilizam algumas das introduções dos direitos", argumenta. O que se propõe é a divulgação de uma alternativa legal ao actual sistema de propriedade de direitos intelectuais, num contexto, como o de hoje, onde a facilidade de cópia nos meios digitais tem tornado inoperante o copyright fechado. Os Creative Commons tentam disciplinar esta realidade. "É uma forma de o criador controlar a circulação daquilo que é seu", argumenta a cineasta Margarida Gil. "Não substitui o copyright, estabelece regras e estimula a partilha. Ou seja, aceita a circulação com um mínimo de regras e controlo."
Mas também há reservas. José Jorge Letria, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, diz que a questão está a ser acompanhada pela Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores. "Há, em geral, uma atitude de expectativa e de alguma desconfiança", resume. "A expectativa tem a ver com o facto das Creative Commons representarem uma nova realidade com a qual vai ser preciso encontrar formas de diálogo e de cooperação. Mas ceder a essa lógica pode afectar a cobrança e o respeito pelo direito de autor."
Foi Lawrence Lessig, professor de Direito da Universidade de Stanford, quem lançou, em 2001, a iniciativa de um enquadramento jurídico simples e de fácil utilização, que permitisse aos criadores a cedência dos direitos das suas obras sem burocracias ." Para o poeta Nuno Júdice a mais-valia das licenças é "disciplinar a Internet, onde os textos por norma são utilizados sem licença. Em relação aos textos literários e blogues é sobretudo a possibilidade de dar a conhecer à pessoa que os quer utilizar, que tem de informar o autor. E este deve ter direito de opção sobre essa utilização."
Criar mercados
E como é que os autores são renumerados? Não há uma resposta simples, pelo menos a partir de padrões económicos convencionais. "Há artistas que eram desconhecidos e que, através do acesso à sua obra, criaram uma comunidade de partilha. Criaram um mercado", explica Pedro Oliveira, dando o exemplo do escritor americano Cory Doctorow, que tem ganho prémios literários. "Há quem coloque obras literárias à venda na Amazon e as disponibilize gratuitamente na Net, com uma licença. E o que elas dizem é que esse facto não as faz vender menos. Pelo contrário. Há quem fique com a versão electrónica, mas também há mais gente a conhecer as obras através da Net e a querer comprá-las."
Não interessa tanto a renumeração imediata, mas sim a difusão, explica Pedro Leitão, responsável por uma editora tradicional de música, a mono" cromática, e uma netlabel, a Test Tube: "Essa ideia dos artistas capitalizarem mais facilmente se editarem segundo um modelo tradicional deixou de ser verdadeira. Depende do investimento. Pode nem sequer cobrir as despesas." E dá um exemplo: "O Afonso Simões, do projecto Phoebus, quando editou o primeiro disco por nós era desconhecido. Pouco tempo depois foi convidado para um festival em Espanha e, em Portugal, tem dado espectáculos e tem-se desmultiplicado por vários projectos. Ele diz que a melhor coisa que fez foi disponibilizar a música gratuitamente e é verdade."
Há dois anos, o músico Steven McDonald do grupo Redd Kross, recriou o tema White blood cells dos White Stripes, e distribuiu-o na Rede. Segundo as licenças clássicas de copyright poder-se-ia meter numa trapalhada legal. Mas distribui a canção através de uma licença Creative Commons, com o consentimento do compositor Jack White. Mais de 60.000 pessoas descarregaram a canção da sua página. White afirmou na altura: "Não seria possível evitar os descarregamentos ilegais, por isso preferi que o público descarregasse a canção legalmente, através de um código que sinaliza a obra." E completou: "No fundo, é apenas uma questão de bom senso."
Sobre o assunto ver também:

1 comentário:

Anónimo disse...

Texto interessante! Sou brasileiro estudante de Arquivologia (e músico nas horas vagas...) e estou justamente fazendo pesquisas acerca do Creative Commons (e wikipedia). Conheces algumas fontes acerca de tais temas?
grato
Mauricio Maia Vinhas de Azevedo
mauricio.azevedo@gmail.com
-para não perder a oportunidade, muito bom blog-